Por: Samuel Hickmann
Não é de hoje que os Estados da Federação, principalmente o Rio Grande do Sul, com notória vocação exportadora, restringe a apropriação e/ou transferência de créditos de ICMS por empresas exportadoras. A crise financeira histórica por que passa o Estado, cada vez mais grave, tende a apertar o cerco sobre esses créditos, uma vez que significam para os cofres públicos dinheiro a menos em caixa. Para a empresa, a transformação desses créditos em dinheiro não raras vezes passa por batalhas judiciais, já que os Estados fazem tudo o que é possível para evitar a apropriação de créditos que venham a reduzir a sua arrecadação. Uma dessas restrições é a apropriação e transferência de créditos de ICMS oriundos da aquisição de ativo fixo por empresa exportadora. Como sabido, as operações de exportação são imunes ao ICMS, por incidência do artigo 155, §2º, X, “a”, da Constituição Federal. Garante, também, a Constituição Federal, no mesmo dispositivo, a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores. No entanto, o Estado do Rio Grande do Sul não permite que os créditos decorrentes de bens adquiridos para a compor o ativo fixo da empresa exportadora seja apropriado e transferido a terceiros, alegando para tanto que tais bens não se integram à mercadoria exportada. Interessante notar que, no caso de empresa não exportadora, ou seja, com débito de imposto, há a possibilidade de abatimento, ainda que de forma parcelada, do crédito decorrente de bens adquiridos para o ativo fixo. A inexistência de débito de ICMS não pode ser um obstáculo à apropriação ou à transferência de créditos de imposto, sobretudo quando essa inexistência de débito decorre da realização de operações de exportação, de notória relevância à economia do país. Com o devido respeito à posição do Fisco – balizada mais pelo impacto financeiro das exportações e pela falta de um pacto federativo real, que seja capaz de equilibrar esse impacto – temos o entendimento que a não cumulatividade do ICMS deva ser ampla, sobretudo quando se fala em exportações. Negar a apropriação e transferência de créditos de ICMS decorrentes da aquisição de ativo fixo a empresas exportadoras, mas permiti-la a quem realiza operações internas configura um desincentivo à exportação e, por via de consequência, freia o desenvolvimento econômico – numa visão macro. Olhando para a operação em si, significa internalizar no custo da importação o imposto decorrente de bens adquiridos para a fabricação do bem exportado. Ainda assim, deve-se olhar de outra forma a questão. Há quem diga que a apropriação de forma parcelada dos créditos de ICMS decorrentes da aquisição de bens destinados ao ativo fixo deve-se ao suposto “parcelamento” que o seu custo se integra ao preço da mercadoria vendida. Ora, se essa justificativa – que não está na lei – for verdadeira, é também verdadeira a tese de que o ativo fixo adquirido tem seu custo repassado à mercadoria vendida e deve ser apropriado e utilizado o crédito decorrente de sua aquisição. Por qualquer teoria ou justificativa que se olhe, não há razão alguma para que o ativo fixo não conceda ao seu adquirente crédito de ICMS, muito menos às empresas exportadoras. A ideia de que o ativo fixo não se integra à mercadoria vendida é pouco ou nada verdadeira, uma vez que são bens utilizados para aumentar ou aprimorar a produção, de forma a reduzir custos ou elevar a produtividade. Os bens do ativo fixo, servem, portanto, para fazer a empresa crescer, crescendo, consequentemente, a economia e a arrecadação, sob algum aspecto. E essa discussão, sob à ótica constitucional, que está aguardando pronunciamento do Supremo Tribunal Federal. Encontra-se sob a guarda do Min. Luiz Fux um processo oriundo do Rio Grande do Sul que trata da matéria ao qual foi atribuída repercussão geral, ou seja, sua decisão repercutirá sobre os demais processos que tratam do tema. Ao julgar a repercussão, o Min. Luiz Fux argumentou o seguinte: “Em síntese, necessário definir-se o alcance do princípio da não-cumulatividade em hipóteses de tributação de ICMS como a descrita no caso, sobremaneira a fixação do critério de definição do crédito acumulado nas operações anteriores já tributadas, se material (ou físico) ou financeiro, para, a partir daí, estabelecer as balizas para a aplicação da regra de imunidade, porquanto a adoção do critério financeiro comportaria o computo do imposto recolhido em operações de aquisição de bens para o ativo fixo, enquanto o critério material só admitiria o computo do tributo decorrente de aquisição de bens e/ou utilizados diretamente na produção do bem ao final exportado.” Percebe-se, portanto, que o STF possui a oportunidade de pacificar o entendimento sobre o direito aos créditos de ICMS decorrentes de aquisições destinadas ao ativo fixo de empresas exportadoras, entendimento este que deve levar em conta o desiderato constitucional de não exportar tributos e de promover o desenvolvimento nacional.